Ted Lasso” é uma série da AppleTV+, com sua primeira temporada lançada em 2020, e um dos carros chefes do serviço de streaming, ainda sem muita repercussão no Brasil. Apesar disso, a série já vem colecionando prêmios internacionais, tanto para a produção quanto para seus atores e há motivos para isso.

A ideia para a série veio após um comercial veiculado na NBC Sports, canal norte-americano, sobre a Premier League, primeira divisão do futebol inglês. Nele, Ted já mostrava seu carisma que viria a ser explorado no programa de dez episódios até o momento.

A história gira em torno de Ted Lasso (Jason Sudeikis), um treinador de futebol americano universitário e viral na internet, que é contratado para gerenciar o AFC Richmond, um time de futebol inglês decadente e na zona de rebaixamento do campeonato. O problema? Ele não sabe nada sobre o esporte ou sobre o mundo que existe ao entorno deste. A premissa da série é absurda se tratando de um esporte tão competitivo em que ninguém tomaria tal risco.

Porém, o contexto da série e seus personagens tornam esse cenário plausível. Jason Sudeikis (Ted Lasso) é um dos principais motivos para o público ficar investido na história. Desenvolvedor e também produtor executivo do programa, o ator traz um personagem com uma esperança contagiante, mas que nunca nos deixa esquecer ou mascara o mundo complicado em que vivemos. Criado no Kansas, ele pode não entender muito das regras do futebol (conhecido como “soccer” por lá), mas sabe muito bem o quanto acreditar nas pessoas e em seu potencial pode ser transformador.

Obviamente, o “coach Lasso” não duraria muito tempo no clube sem auxiliares. O treinador Beard (Brendan Hunt), seu amigo e colega que o acompanha desde os Estados Unidos, é sua consciência tática para assuntos futebolísticos e amorosos, enquanto a inesperada sabedoria popular do tímido roupeiro Nate (Nick Mohammed), se mostra mais indispensável à equipe do que uma comissão técnica de dez pessoas com salários astronômicos e que nunca tocaram em uma bola (sim, todos sabem que eles existem).

Com exceção de Sudeikis e Jeremy Swift, que faz Higgins, o amigável diretor de futebol do clube, o restante do elenco pode ser menos familiar ao público, mas não menos espetacular, o que faz deste um dos grandes trunfos da série. 

Rebecca Welton (Hannah Waddingham) é responsável pelo clube de seu ex-marido e, apesar de sua ética por vezes questionável, vai se transformando em uma das personagens mais complexas da trama, com uma atuação que já rendeu um Critic’s Choice Television Award à Waddingham. Keeley (Juno Temple) é outra personagem muito bem escrita e com uma personalidade contagiante desde sua modesta primeira aparição até ser uma figura indispensável no final da temporada.

ted lasso
Hannah Waddingham (à esquerda) e Juno Temple (à direita)

No núcleo do elenco do Richmond estão os arquétipos esperados em uma temática esportiva e que aqui funcionam muito bem. O embate geracional fica entre o carrancudo Roy Kent (Brett Goldstein), considerado veterano para os padrões do futebol moderno, e Jamie Tartt (Phil Dunster), a jovem estrela do time que testa os limites da paciência de Ted. Kent oferece ótimos elementos cômicos com sua “casca” sendo quebrada pelo novo treinador, enquanto também tem que lidar com o seu desprestígio entre outros jogadores e a torcida do Richmond. Tartt é um tipo muito conhecido dos torcedores de futebol, mas que em alguns momentos pode despertar a empatia do público.

Outros jogadores com mais tempo de tela na primeira temporada são Sam Obisanya (Toheeb Jimo), um jovem jogador nigeriano recém-chegado e Isaac (Kola Bokinni), o vice capitão do time. O primeiro é muito versátil e com uma presença sempre agradável, o último é sistemático e encapsula o que se costuma encontrar no ambiente de vestiário. Ambos merecem mais destaque nas próximas temporadas.

Toheeb Jimoh (à esquerda) e Brett Goldstein (à direita)

O conhecimento limitado de Lasso sobre o esporte e as diferenças culturais produzem alguns dos melhores momentos cômicos da série, juntamente com as referências do treinador que vão desde antigos musicais da Broadway até o seriado “Um Maluco no Pedaço”. Como isso tem relação com futebol? Apenas Ted Lasso é capaz de explicar. Boa parte do diálogo é afiada e direta, fazendo a série parecer mais com uma sitcom inglesa do que um produto americano.

Algumas situações conflituosas talvez precisassem de mais tempo para serem resolvidas, tornando-as mais críveis como elementos dramáticos na história. Além disso, as recriações das partidas da Premier League apresentam configurações não muito distantes das vistas em filmes mais antigos como “Gol” (2005), indicando que as técnicas utilizadas para tais cenas ainda precisam ser aprimoradas para uma maior imersão naquele universo fictício.

No geral, a série é uma grata surpresa e tem todas as condições para manter seu padrão como uma leve comédia dramática (podendo sim arrancar lágrimas, a que vos escreve é prova disso) em sua próxima temporada – já que foi renovada em março – e ocupar o espaço entre a audiência deixado por “Modern Family” e “Schitt’s Creek”, por exemplo.

A série tem potencial de atingir não só os interessados no esporte mais popular do Brasil, mas também aqueles que procuram algo cativante e que te faça torcer para que algo dê certo. Em um momento de tantas incertezas e preocupações, “Ted Lasso” pode te fazer acreditar que, sim, é possível, nem que seja só por quarenta minutos. BELIEVE!

Os dez episódios da primeira temporada de “Ted Lasso” estão disponíveis na AppleTV+.