No ano passado, o live-action de Aladdin iniciou uma nova era para as refilmagens que a Disney vem produzindo nos últimos anos, onde novas abordagens seriam trazidas, mas ainda respeitando o material de origem e é justamente isso que essa adaptação de Mulan nos apresenta. Essa nova versão chega em meio a muita expectativa, certa desconfiança, algumas polêmicas e quem poderia imaginar que a maior pandemia do século iria impedir a exibição nos cinemas? Mas nada disso pode tirar o brilho e o deslumbre que essa nova abordagem sobre a lenda de Hua Mulan nos traz.

A lenda da guerreira que assumiu o lugar de seu pai no exército já foi retratada diversas vezes, sendo a animação produzida pela Disney em 1998, a mais famosa. O filme logo se tornou um clássico e marcou uma geração inteira que vibra até hoje com suas músicas e personagens cativantes que apenas um clássico do estúdio do Mickey pode nos proporcionar. Mas talvez seja melhor se desprender um pouco do clássico para apreciar tudo que essa versão tem para oferecer.

A diretora Niki Caro (O Zoológico de Varsóvia) soube aproveitar o orçamento da melhor maneira possível. Cenas de ação lindamente coreografadas, mas nada impróprio para crianças, já que não vemos uma gota de sangue durante as cenas de guerra. Efeitos especiais e práticos executados de maneira brilhante, locações entre China e Nova Zelândia muito bem aproveitadas (e que mereciam a maior tela possível) e o figurino mais esplêndido desde “Memórias de uma Gueixa”. Também devemos aplaudir a Disney por confiar um filme de US$ 200 milhões (o mais alto entre todos os clássicos que tiveram novas versões) para uma mulher, algo extremamente raro na indústria hollywoodiana ainda em 2020.

Os fãs que sabem as letras das canções podem ficar desapontados, mas não surpresos já que a exclusão das músicas foi algo divulgado ainda no início da produção, mas o fã mais atento irá reconhecer as notas instrumentais, e isso já é suficiente para aquecer o coração e a nostalgia da clássica animação. Os créditos finais também são embalados pela original “Loyal Brave True” e a nova versão de “Reflection”, ambas gravadas por Christina Aguilera, que vale lembrar, também fez parte da trilha em 1998. Yifei Liu também apresenta uma versão lindíssima da música em mandarim, enquanto os fãs brasileiros podem se deliciar com a canção “Lealdade Coragem Verdade” da queridinha Sandy que embala os créditos em sua versão dublada.

O elenco é outro ponto positivo, a atriz Yifei Liu assume o posto de protagonista com garra e muito carisma. Já Tzi Ma, Rosalind Chao e Xana Tang vivem a família de Mulan com atuações tocantes e comoventes, adicionar uma irmã para a heroína foi uma decisão muito acertada. Mas os fãs mais exigentes certamente não poderão reclamar de Ling (Jimmy Wong), Yao (Chen Tang) e Po (Doua Moua) que parecem ter saltado da animação diretamente para personagens de carne e osso, três escalações tão perfeitas quanto Anastacia e Griselda no live-action de Cinderela. Os três personagens possuem um destaque menor, mas a essência de cada um segue intacta, apesar do nome de Chien-Po ter sido alterado para apenas Po.

Jet Li possui uma presença magnifica e única como o grande Imperador, assim como Donnie Yen como o Comandante Tung. E embora o vilão Shan-Yu tenha sido substituído por Böri Khan (Jason Scott Lee), ambos ainda possuem algumas semelhanças físicas, além de dividirem o mesmo tom ameaçador, no entanto aqui o vilão ganha uma história de fundo com muito mais profundidade, assim como a nova vilã, Xianniang (Li Gong) que possui uma ligação peculiar com a protagonista, mesmo que soe um pouco clichê.

Um dos motivos que também fez vários fãs torcerem o nariz para essa nova versão, foi a substituição do personagem Shang por Honghui (Yoson An). Não havia uma necessidade real em mudar o nome do principal interesse amoroso de Mulan, já que ambos possuem um charme incontestável, além de atributos físicos semelhantes. No entanto, parece mais apropriado que a personagem tenha um possível relacionamento com um companheiro de seu batalhão, e não um superior. Muito se falou também sobre a exclusão do adorado Mushu, mas a presença do adorável dragãozinho destoaria totalmente da proposta do filme.

A produção ainda é repleta de referências e easter eggs que não devem passar despercebidos dos olhos mais atentos.

No conjunto da obra, Mulan segue a regra que deveria ser absoluta para qualquer remake, respeito à obra original, mas tendo voz e visuais próprios e não repetindo quadro a quadro. Essa nova releitura reapresenta a icônica personagem para uma geração mais exigente e consciente, sem deixar valores clássicos da Disney como amor, honestidade e família de lado, mas não de uma forma piegas, e ainda com uma boa dose de ousadia. Será que podemos esperar um pouco dessa ousadia para as próximas apostas do estúdio, que incluem “Cruella”, “A Pequena Sereia”, “Peter Pan”, entre outros? O público certamente seria o mais beneficiado.