Já ouvi falar muitas vezes que brasileiro só sabe fazer filme de comédia, mas isso não passa de uma mentira absoluta, talvez a comédia brasileira seja o gênero mais conhecido, só que isso não quer dizer que não temos um catálogo com bons filmes de outros gêneros, temos Central do Brasil, Aquarius, Bicho de Sete Cabeças, Canrandiru e uma infinidade de títulos maravilhosos que não se prende a uma coisa só.
Desde 2018 o Brasil passa por um momento delicado, tivemos a quase censura de Marighella e assim, aos poucos e sem alardes, estava sendo arrancada a nossa liberdade de expressão. Em fevereiro de 2022, finalmente parece que as coisas estão respirando um pouco mais aliviadas e nesse dia (17) estreia A Jaula e vem com uma proposta de desmascarar muita coisa errada que acontece pelo nosso país.
Acompanhamos a história de um jovem chamando Djalma interpretado pelo Chay Suede, o filme sem nenhuma enrolação já começa com ele chegando em uma rua pouco movimentada e entra em um carro para roubar as peças dele, mas quando ele vai abrir a porta para sair, o carro está travado e o rapaz fica preso, mas o que chama a atenção é que o dono do carro que é um médico muito bem sucedido (Alexandre Nero) que sabe que o carro foi invadindo e deixa o rapaz de refém regada de muita tortura psicológica.
Toda a trama do filme é desenrolada dentro de um carro, os diálogos e a troca entre o bandido e o médico são tão realistas que te deixa até assustado, tudo nada mais é a realidade do nosso país e com muita reflexão também, pois sabemos que o bandido está errado de roubar, mas o médico também não está errado de deixar uma pessoa de refém? O tempo todo somos jogados a pensar de maneira intensa.

A narrativa de A Jaula é composta por muita tensão, praticamente um thriller psicológico, quase não respiramos dentro da sala de cinema, talvez seja por isso que o filme seja curto e muito objetivo. Talvez por isso que para algumas pessoas o final do filme pode soar tanto quanto anticlimático.
Chay praticamente atua sozinho, a única troca maior que ele tem é pelo viva-voz do carro, toda agonia é transparecida pelo ator que conseguimos sentir todos seus sentimentos apenas por um olhar, por um grito e pelo desespero, e uma coisa que não deixei passar despercebido é que o filme se passa em São Paulo e Chay (nascido no Espirito Santo) parece um paulistano com seu sotaque presente e forte. Alexandre Nero cumpre seu papel genialmente de forma desprezível e passa o texto de uma maneira forte que entendemos bem a mensagem que o personagem quer passar.
Por último e não menos importante, Astrid Fontenelle faz brilhantemente uma apresentadora de um programa sensacionalista que cobre toda a dinâmica de Djalma preso no carro e é mais uma realidade de nosso país, misturado com uma crítica social ao jornalismo brasileiro.
A Jaula é um filme intenso, complexo e até difícil de assistir certas partes, expõe um sistema falho cheio de crateras que as pessoas vão remendando até a bomba estourar, para quem quiser entender mais sobre como funciona o sistema de classes no Brasil é uma grande aula.
PS: É sempre bom prestigiar o cinema nacional!