Novo sucesso da Netflix, a série Boots estreou em 9 de outubro e chamou atenção por transformar o ambiente militar em palco de um estudo sobre disciplina e identidade. Criada por Andy Parker e estrelada por Miles Heizer e Vera Farmiga, a produção adapta memórias de um ex-fuzileiro para discutir como instituições moldam — e limitam — o indivíduo.

Ao longo de oito episódios, a trama acompanha Cameron Cope, jovem gay do interior dos Estados Unidos que se alista no Corpo de Fuzileiros junto com o melhor amigo. O que começa como uma fuga vira uma experiência de confronto com regras, segredos e contradições.

Um final que transforma dever em decisão

O episódio final mostra Cameron completando a “Crucible”, prova de resistência física e mental que marca a formação dos Marines. É quando surge a revelação de que ele falsificou a idade para se alistar. Oficialmente, ele poderia ser dispensado. A escolha de permanecer, no entanto, reconfigura o sentido de tudo que vimos até ali.

Imagem da série Boots, sucesso da Netflix
Cena da série Boots, sucesso da Netflix (foto: Reprodução/Netflix)

A série usa essa decisão para inverter a lógica do dever. Cameron não fica por patriotismo nem por heroísmo, mas porque entende o que essa experiência representa. Ficar é aceitar as consequências de uma escolha feita sem entender o peso que teria. Boots transforma o “treinamento” em um estudo sobre responsabilidade e identidade — não no sentido emocional, mas institucional.

O sargento como espelho da estrutura

A figura do sargento Liam Sullivan ganha novo peso no desfecho. Ele representa o sistema — a autoridade que exige força, mas também carrega rachaduras. Seu colapso no final, e o gesto de entregar o rádio a Cameron, são sinais de um ciclo que se repete: o poder passa de um soldado marcado pelo silêncio a outro que ainda acredita poder mudar as regras do jogo.

Mais do que relação pessoal, essa troca evidencia o tema central da série: a estrutura militar é construída sobre homens tentando sobreviver à própria rigidez. Cameron entende o sistema, mas ainda não o questiona abertamente — e é nesse limite que Boots encerra a temporada.

A guerra fora da tela

O último plano, com o anúncio da Guerra do Golfo, desloca o foco para o real. Tudo o que Cameron viveu dentro da base era apenas preparação. A inserção da notícia transforma o final em comentário político: o treinamento forma corpos obedientes, mas não necessariamente conscientes. Boots não conclui sua história — apenas indica que o verdadeiro conflito ainda virá, quando esses personagens forem lançados em um cenário onde as decisões deixam de ser simbólicas.

Imagem da série Boots, sucesso da Netflix
Cena da série Boots, sucesso da Netflix (foto: Reprodução/Netflix)

O que o fim realmente quer dizer

O final de Boots não busca catarse nem redenção. Ele sugere que pertencer pode ser, ao mesmo tempo, escolha e prisão. Ao optar por ficar, Cameron não vence nada — apenas entende o sistema que o moldou. E é essa ambiguidade que torna o desfecho tão eficaz: um encerramento que não explica tudo, mas convida o público a refletir sobre o preço de ser parte de algo que exige deixar partes de si para trás.

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Estudante de jornalismo apaixonado por séries, sempre em busca da próxima maratona. Atualmente, estagiário no Séries em Cena, onde exploro o universo das produções e compartilho meu olhar crítico sobre o que está em alta no mundo das telinhas. E-mail: lucas.emanuel@seriesemcena.com.br