Uma das séries mais aclamadas dos últimos anos, tanto por seus quesitos técnicos quanto pelas atuações, “The Crown” retornou em 2019 trazendo a terceira parte sobre a história da realeza britânica durante o reinado da Rainha Elizabeth II. O primeiro impacto da temporada é a troca do elenco principal.
Como a história sofreu um salto no tempo entre a segunda e a terceira temporada, a mudança foi feita para condizer com o avanço da idade das personagens. Assim, Olivia Colman é a Rainha Elizabeth (anteriormente interpretada por Claire Foy), Tobias Menzies vive o marido de Elizabeth e Duque de Edimburgo Philip (Matt Smith), Helena Bonham-Carter está no papel da princesa e irmã mais nova da rainha, Margaret (Vanessa Kirby) e Ben Daniels é o fotógrafo Antony Armstrong-Jones (Matthew Goode), marido de Margaret.
Assim como as personagens, a nova temporada mostra o amadurecimento também do entendimento delas como pilar importante na estabilidade da sociedade britânica. Nesta fase da história, acentua-se as tensões entre a classe trabalhadora e o governo inglês, com a continuação das constantes trocas de primeiros-ministros, além de greves e uma tentativa de golpe encabeçada pelo tio de Philip, Lorde Mountbatten (Tywin Lannister).
Cada vez mais percebe-se a relação intrínseca entre as obrigações políticas de Elizabeth, e de certa forma do resto da família, e suas decisões em sua vida pessoal. As crises em seu casamento com Philip são pouco vistas nessa temporada em relação às anteriores, já que ambos passam a compreender que essa estabilidade é necessária para a preservação da coroa.
A série executa muito bem a introdução de personagens – e são muitos- pouco abordados ou sequer apresentados anteriormente. Os mais relevantes são os filhos mais velhos do casal, o príncipe Charles (Josh O’Connor) e a princesa Anne (Erin Doherty), além do primeiro-ministro do partido socialista Harold Wilson (Jason Watkins). Wilson, uma vez visto como empecilho pela monarca, acaba se tornando um dos governantes mais admirados por ela. O episódio sobre o Desastre de Aberfan em 1966 (quando uma mina de carvão desabou em uma vila galesa, matando 116 crianças e 28 adultos) serve tanto como um grande ponto de virada nessa relação quanto para mostrar a visão de Elizabeth sobre seu próprio papel na monarquia parlamentarista.
Apesar de só aparecer a partir do sexto episódio, o príncipe Charles torna-se peça chave no desenvolvimento e na dinâmica da série. Ao mostrar seu distanciamento da mãe e suas semelhanças cada vez mais aparentes com o ex-rei Eduardo VIII (Derek Jacobi), a série abre espaço para o questionamento do futuro da coroa e dos próprios motivos que justificam sua existência em uma sociedade cada vez mais oposta àquela em que foi estabelecida. Um dos atrativos de dramas de época é justamente sabermos de antemão de acontecimentos futuros importantes, mas não necessariamente todos os seus detalhes, neste caso criando mais curiosidade para saber os próximos capítulos na relação de Charles com sua família, cada vez mais estremecida.
A atuação de Olivia Colman, como dos demais que entraram no lugar do outros atores, pode causar uma certa estranheza (principalmente aos mais atentos para notar que a atriz não possui os olhos azuis de Claire Foy), mas ao adotar a entonação de voz e trejeitos aos quais o público está acostumado, essa sensação vai passando. A rainha de Colman mostra-se menos emotiva e certa de que isso é importante para a governante que precisou ser, enquanto Margaret ainda sofre com as imposições da coroa e com seu casamento conturbado, muito bem expressados por Helena Bonham-Carter.
Já Tobias Menzies interpreta um Philip aparentemente enfim conformado com seu papel dentro da família real, dando mais profundidade a sua crise existencial do que continuação à sua angústia de ficar em segundo plano como nas duas primeiras temporadas. No sétimo episódio, “Moondust”, assistimos suas aflições virem à tona, apesar de sua relutância a elas. Um fato que estremece a estabilidade do personagem é a chegada de sua mãe, a princesa Alice de Battenberg (Jane Lapotaire), ao Palácio de Buckingham quando tudo o que havia planejado parecia estar sob controle. Esses conflitos tornam o personagem mais complexo e, em certa medida, mais compreensível em relação a seu comportamento mostrado nas outras temporadas.
Mantendo a mesma qualidade na direção de arte e na trilha sonora (que incorporou algumas canções populares dos anos 1960 e 1970), a terceira temporada de “The Crown” acerta ao continuar dando tanta importância à faceta puramente politica da série quanto às intrigas da família real. Ao finalizar a história de personagens como o Duque de Windsor e Winston Churchill (John Lithgow), abre espaço para o crescimento necessário de outras figuras. Logicamente não é a série mais imprevisível do mundo, mas saber dos acontecimentos não tira nada da experiência, que nesta temporada muda cada vez mais a perspectiva do espectador ao colocar a condução dos episódios em diferentes personagens e expandindo a composição da família, mostrando como as decisões de Elizabeth vão afetando cada vez mais pessoas de maneiras diferentes ao longo do tempo.
As três temporadas de “The Crown” estão disponíveis na Netflix.