Quando eu era uma criança, a alegria da minha segunda-feira a noite se resumia a assistir ao programa da Hebe no SBT. Cheia de carisma, a apresentadora levava vários nomes conhecidos para sentarem ao seu sofá para conversarem sobre tudo! Naquela época eu já a achava autêntica, mas não tinha a noção do quanto.
Diferente de outras cinebiografias que contam a história da pessoa desde pequena até o sucesso, fazendo com que a narrativa se perca e ficando algo não linear, a decisão sábia de Hebe – A Estrela do Brasil é escolher uma certa época e contar sobre ela. Quando começamos o longa a apresentadora já está trabalhando na Rede Bandeirantes no auge de sua carreira quase em seus 60 anos com mais de 40 anos de carreira, superando a audiência dos programas da Rede Globo e incomodando a censura.
O que deixa o longa ainda mais original é a decisão de mostrar a vida por trás das câmeras, a volta pra sua casa, o relacionamento intenso com o filho Marcelo (Brenno Kuusberg) e sobrinho Cláudio (Danton Mello), e a relação entre altos e baixos com seu parceiro Lélio (Marco Ricca). As camadas envolvidas são densas e muito extensas, fazendo o conjunto ficar completo a ponto de você nem sentir falta de saber sobre a infância dela.
Não existe escolha melhor do que Andrea Beltrão para interpretar esse ícone da televisão brasileira, a atriz nasceu para o papel, com o receio de entregar uma atuação caricata, Beltrão dosou bem a sua identidade com a essência de Hebe, um equilíbrio perfeito que se constatou em uma atuação perfeita.
A época em que o longa se passa não é por um acaso, é uma época que o Brasil estava passando uma situação delicada, a censura ainda estava permeando, os homens queriam ter autoridade sobre as mulheres, mas o que quer mostrar é que nessa época, Hebe não se calou, a mulher autônoma, trabalhadora que ganhava o seu próprio dinheiro não era contrariada por homens. A liberdade feminina reina e mostrou que ela não levava desaforo para casa.
A direção de arte faz um trabalho competente, vale lembrar que algumas jóias e roupas são da própria Hebe e se faz uma exuberante caracterização, pois lembramos que ela não poupava o luxo na hora de se vestir e o longa não poupou em passar isso ao pé da letra. As caracterizações de Roberto Carlos (Felipe Rocha), Nair Belo (Claúdia Missura), Lolita Rodrigues (Karine Telles) e Derci Gonçalves (Stella Miranda) estão na medida certa, já a interpretação de Silvio Santos (Daniel Boaventura), acaba sendo bem caricato, mas como a sua aparição é rápida não chega a incomodar.
Hebe desde sempre lutava pelos direitos das mulheres, pela causa LGBTQI+ e não se importava de levar transsexuais para seu programa! Sempre foi uma figura destemida que não tinha medo de ir pra prisão, como ela disse, preferia ser presa do que apoiar o governo opressor.
Com elementos fortes e corajosos para se tratar em uma cinebiografia, Hebe – A Estrela do Brasil é audacioso e tem um ato político forte, pois mesmo que o filme se passa nos anos 80, o diálogo é totalmente atual. O longa se sobressai em muitas cinebiografias por ele ser ácido, contar sobre relacionamento abusivo e mostrar o ódio de homens por uma mulher que enfrentava de frente a eles. Além de ser divertido é provocativo e vai cativar uma geração de fãs e também vai conversar com o público mais jovem.